O verdadeiro significado da ajudadora idônea
01/10/2015 10:13Na perfeita criação de Deus, cada ser criado tinha seu espaço e sua função, e a harmonia reinava de tal forma que aquele espaço era conhecido como o paraíso. Todavia, o próprio relato bíblico afirma que essa harmonia não era tão perfeita assim: havia algo que não estava bem (Gn 2.18) — a solidão existencial do ser criado à imagem e semelhança de Deus.
Naturalmente esse ser não poderia desenvolver a plenitude de sua semelhança com o Criador, pois Deus é essencialmente relacional e o homem, por ser único, não encontraria outro ser que lhe correspondesse, mesmo diante de toda a variedade da perfeita criação (Gn 2.20).
Em sua infinita bondade e sabedoria, Deus cria um ser para ajudar o homem a sair de sua solidão existencial. Esse ser já surge das mãos artísticas do perfeito Criador com uma missão e a cumpre de forma plena: ajudar o homem em algo que ele não poderia realizar por si mesmo — sair da solidão.
O termo “ezèr kenegdo” — cujas versões no português são: “ajudadora idônea”; “ajudadora que lhe seja idônea”; “alguém que o auxilie e lhe corresponda”; “ajuda que lhe seja adequada” – é com frequência mal interpretado, transmitindo a ideia de que a mulher criada é uma subordinada ou prestadora de serviços com grau inferior ao do primeiro ser humano criado. Porém, se conferirmos o termo “ezèr” em outras passagens bíblicas (por exemplo, no Salmo 46.1), ele nos mostrará o próprio Deus como nosso “ezèr”, ou seja, aquele que nos tira de uma situação da qual não podemos sair sozinhos (por exemplo, da tribulação).
A palavra “ezèr”, quando se refere a Deus, jamais é traduzida portando a ideia de que Deus é nosso subordinado ou prestador de serviços, mas a ideia de Deus como auxílio, ajudador, em algo que está acima de nossas capacidades. Logo, afirmar que a mulher é subordinada ao homem é uma falta grave na interpretação bíblica ou uma leitura parcial tendenciosa.
A grande motivação da criação da mulher é, primariamente, o companheirismo, termo que vem do latim “cum panis”, que significa “aquele com quem dividimos o pão”. Essa sim é a bela finalidade da criação da mulher — um ser que está ao meu lado e com quem eu posso dividir o meu pão. Infelizmente o pecado trouxe a distorção relacional entre o homem e a mulher (Gn 3.16) e criou o distanciamento naquilo que deveria ser perfeitamente harmonioso. A partir do pecado o homem passa a subjugar e a tratar a mulher como inferior, não a percebendo mais como “obra perfeita do criador”.
Entretanto, o Deus pleno de amor e misericórdia encontra um caminho para restaurar toda a criação dos efeitos do pecado — “Se alguém está em Cristo, é nova criação” (2Co 5.17, grifo meu). Que notícia fantástica para os que abraçam a fé em Cristo: não estamos mais sob o pesado jugo do pecado como norteador de nossas vidas, mas nossas mentes são renovadas, transformadas pelos valores do evangelho (Rm 12.2), que traz a boa nova: “Não há judeu nem grego, escravo nem livre, homem nem mulher; pois todos são um em Cristo Jesus” (Gl 3.28, grifo meu).
Logo, viver na ideia da inferioridade, da subserviência, da menos valia da mulher, é viver ainda no padrão da criação caída e pecaminosa — o que é inadmissível para quem se proclama cristão. Valorizemos a figura da mulher dentro de nossas comunidades de fé, dentro de nossos campos de ação profissional e dentro de nossa sociedade como um todo. Muito antes de qualquer Lei Maria da Penha, o verdadeiro evangelho já nos conclamava a tratar a mulher com toda a dignidade que ela possui — a dignidade de portadora da “imago Dei” (imagem de Deus), criada para partir o pão à mesa comigo.
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