Automutilação nas Redes Sociais: é hora de encararmos este tema 4

29/01/2016 11:31

~REDE SOCIAL~
Diferentemente da pornografia, que é identificada com facilidade pelos filtros automáticos do Instagram e do Facebook, o cutting é bem mais difícil de ser localizado. Segundo Jonathan Razen, diretor do Instituto Beta para a Internet e Democracia, as imagens dos ferimentos são publicadas em um volume muito menor que os conteúdos de nudez e sexo.

“Para serem tiradas do ar, elas teriam que ser classificadas na categoria ‘incitação ao suicídio’, o que viola as regras de uso”, explica. “Mas o problema é que a tecnologia que filtra essas fotos ainda não é eficiente ao ponto de encontrar um padrão representativo. Como seios e genitais, que são ‘entendidos’ pelos filtros como pornografia.”

Mesmo assim, as redes sociais não estão livres de serem obrigadas a retirar certas contas do ar. “Os sites podem ser notificados judicialmente por instituições de defesa da criança e do adolescente, como o Ministério Público, por exemplo”, afirma Razen.

Para o desembargador Siro Darlan, conhecido por seus 15 anos de atuação na Vara da Infância e da Juventude do Rio de Janeiro, as empresas de internet têm uma responsabilidade social sobre o que é publicado nelas, mas a atenção nesses casos deve se voltar à família.

Comecei a me cortar no dia 30 de agosto de 2013. Estava sozinha em casa e me sentia mal, pois sofria bullying no colégio [por causa de seu visual, Larissa era chamada de gótica, emo e vampira]. Além disso, meu pai, que é separado da minha mãe, nunca foi legal comigo. Ele não paga pensão e já ameaçou me bater e me tirar da minha mãe. Depois de uma briga dos meus pais, peguei uma faca e passei pelo braço. Fiz três cortes grandes”, conta.Estamos falando de garotas que estão sofrendo. Se elas usam as redes para chamar atenção, a família deve buscar as causas. Se não o faz, e uma vez que o problema se tornou público pela internet, o Ministério Público pode averiguar se há negligência.” O jurista é contra a censura massiva de conteúdo.

“Imagens de violência podem, sim, ter um impacto sobre adolescentes que gostam de experimentar. Mas essas contas também são um pedido de ajuda. Você vai calar esse pedido? Precisamos acompanhar mais que proibir hoje no Brasil.”

“Não aconselho ninguém a fazer o primeiro corte”, diz Larissa*, uma bissexual de 16 anos que mora em Goianésia, em Goiás, e cuja página de Instagram, onde posta fotos de seus braços cheio de retalhos, tem mais de 3 mil seguidores. O nome da conta faz referência a alguém que sorri quando, na verdade, gostaria de chorar. Nas postagens, frases tristes como “O silêncio também grita” ou “Toc, toc. Quem é? A decepção. Entra, você já é de casa”, além de fotos da automutilação.“


O hábito se tornou frequente. Em uma foto chocante, Larissa mostra a parte interna do braço, do pulso à dobra, em que se pode contar 34 incisões. “Só o início de uma grande noite...”, diz a legenda.

Alunos de escola pública fazem ‘vaquinha’ para participar de competição de ciências na Índia...Em uma mercearia da pequena cidade de 65 mil habitantes, ela compra as lâminas avulsas que usa para se machucar quando sente que está “explodindo”. Por não falar de seus sentimentos a quase ninguém e não rebater os insultos que ouve dos colegas, Larissa diz acumular muita raiva dentro de si. Até que, em alguns momentos, sente um impulso de se cortar para buscar algum alívio.

Os ferimentos são feitos por afiadas placas metálicas, dessas que eram usadas em antigos barbeadores. Elas compõem a estética de suas fotos e das de outras centenas de garotas pela internet. Em meados de agosto, a jovem recebeu pela quarta vez um recado que o Instagram envia depois de receber denúncias de conteúdo inapropriado.

“Um amigo seu está preocupado”, diz a mensagem. Ela se irritou com a intromissão. “O corpo é meu”, reclama, sem saber explicar por que publica as imagens toda vez que se machuca. Na primeira conversa que teve com a reportagem, contou que não se mutilava havia um mês e 23 dias. Essa conta exata é muito comum em meninas que tentam parar. Como os dependentes químicos em recuperação, chamam o tempo sem cortes de “dias limpos” e parabenizam umas às outras por eles.

Já o perfil das cariocas Aline e sua prima, que aparecem no início da matéria, permaneceu inalterado até o fechamento desta edição: “Dias limpos: 00”. Mas, na página delas, é possível ver outro lado dessa comunidade entristecida. Às fotos de braços sangrando, as seguidoras respondem com ofertas de ajuda: “Quer desabafar?”. Algumas convidam para falar direct, usando o serviço de mensagens privadas do Instagram, e outras chamam para um papo no WhatsApp.

Fornecer o próprio celular para conversas particulares, aliás, não é raro e muitas meninas incluem o número na descrição principal de seu perfil. “Garota triste. Quer ajuda? Chama no direct. On 24h”, diz um deles.

“Postei logo depois de cortar. Quis mostrar para todo mundo que não sou bonita por dentro.”
 
“A internet tem dois lados”, acredita a psiquiatra Jackeline. “Pode incentivar a automutilação, mas também pode ajudar quem quer parar. Lá você vê muitas meninas lutando contra essas urgências.” Em seu consultório, a médica trata dezenas de adolescentes que sofrem com o problema. Indica psicoterapia e, em determinados casos, alguma droga que controle os impulsos.

Com tempo e acompanhamento, é possível amenizar a angústia que dá origem aos cortes. Um dos sintomas de quem está melhorando, explica Jackeline, é justamente perder a liberação de endorfina. “Aí, quando se corta, a pessoa volta a sentir dor.” Só que desta vez, a dor é física.
Marcela*, 17 anos

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