Automutilação nas Redes Sociais: é hora de encararmos este tema 3

22/01/2016 09:10

epidemia :(
A automutilação apareceu pela primeira vez no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais da Sociedade Americana de Psiquiatria em 2000 e ainda não é vista como um distúrbio isolado. “Esse comportamento é muito influenciado socialmente”, concluiu a psicóloga e pesquisadora canadense Nancy Heath em um estudo de 2009 feito com jovens, a maioria meninas universitárias, que se cortavam em seu país.

"Tirei licença do trabalho, escondi todos os objetos cortantes e proibi que se trancasse no quarto. Passei 15 dias sem dormir. Até hoje, quando vejo uma faca solta sobre a pia da cozinha, meu coração gela.”Antes do primeiro corte, conclui a pesquisa, quase 60% já conhecia e convivia com alguém que se machucava. A estimativa de adolescentes com esse perfil chega a 20% da população, segundo a Association of Young People’s Health, baseada no Reino Unido e que compila dados de EUA, Canadá e Europa.

Em geral, os pais demoram a tomar conhecimento do problema. “Você nunca acha que vai acontecer na sua família”, diz a pedagoga paulistana Carla*, que trabalha em escolas de São Paulo, cuja filha foi diagnosticada como borderline há dois anos, depois de um episódio grave de cutting.

Até então, ela tinha um quadro depressivo e havia sido uma adolescente com grande facilidade para se machucar acidentalmente, era o que a mãe pensava. Sozinha em casa, enquanto Carla trabalhava, a jovem fez dezenas de cortes nas duas pernas, do peito do pé à altura da coxa, usando uma faca de cozinha.

"Tivemos de levá-la ao hospital para fazer curativos e, no dia seguinte, ao posto de saúde para tomar uma vacina antitetânica. A psiquiatra me orientou a vigiá-la constantemente, até que a nova medicação agisse para controlar os impulsos. Tirei licença do trabalho, escondi todos os objetos cortantes e proibi que se trancasse no quarto. Passei 15 dias sem dormir. Até hoje, quando vejo uma faca solta sobre a pia da cozinha, meu coração gela.”

Em março deste ano, depois de um ano e meio estável, a filha de Carla teve uma recaída, no dia do aniversário da mãe. “Você se culpa, enfrenta os olhares dos outros e está sempre na linha de fogo. O maior medo de uma mãe é que o filho se machuque. Saber que ele faz isso nele mesmo é dolorido demais”, diz Carla, que visita os grupos de Facebook sobre automutilação e depressão..

“Os relatos me ajudam a entender a linha de raciocínio de quem se corta. Mesmo assim, nunca vi mediação de um profissional clínico nessas comunidades. É como se fosse um grande desabafo coletivo”, afirma. O ponto de encontro aberto e sem controle que a internet proporciona preocupa muitos adultos.

Em abril, o Instagram atualizou suas diretrizes para o uso do site, e avisou: “Qualquer conta que encoraje ou incite usuários [...] a se cortarem, se automutilarem ou cometerem suicídio será desabilitada sem aviso prévio”. O site deixa um espaço, no entanto, para perfis de “recuperação”, e eles são muitos.

“Nós encorajamos veementemente as pessoas que buscam ajuda para si mesmas. Essas diretrizes não se aplicam a contas criadas para discutir de maneira construtiva”, diz um posicionamento oficial enviado pelo site à Marie Claire. Na prática, palavras-chave como “automutilação” e “cutting” são suficientes para encontrar centenas de perfis cujo discurso é de autoajuda mas as imagens, explicitamente violentas.

Estimuladas por perfis de jovens depressivas que se machucam e postam as fotos dos cortes nas redes sociais, adolescentes repetem a cena: talham a própria pele na tentativa de aplacar uma dor sentimental (Foto: Reprodução / Instagram)

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