Automutilação nas Redes Sociais: é hora de encararmos este tema 1
08/01/2016 09:38Em 1995 não existiam redes sociais. Quando algo se tornava viral, repercutia na TV. Depois no jornal. Repetidas vezes. Foi o que aconteceu nos dias que se seguiram à famosa entrevista que a princesa Diana deu em novembro daquele ano à BBC, com confissões que aceleraram seu divórcio do príncipe Charles.
Entre várias declarações polêmicas, ela assumiu que tinha bulimia e pontuou que os vômitos eram um alerta, um pedido de socorro emocional. Na mesma época, em Hong Kong, um médico chamado Sing Lee identificou uma rápida explosão de casos de distúrbios alimentares na cidade.
Não apenas o número de pacientes aumentou em seu consultório, mas elas tinham um jeito ocidentalizado de se expressar, usavam palavras e termos parecidos com os da entrevista de Diana. Surgiu, então, a pergunta: a confissão da Princesa de Gales estimulou novos casos de bulimia? Ou só deu visibilidade aos que já existiam?
Segundo o psicanalista e escritor Christian Dunker, professor do Instituto de Psicologia da USP, a resposta pode ser um pouco dos dois. “Ao escutar essa entrevista, o sujeito diz: isso também está acontecendo comigo. Não é uma identificação com um traço específico da princesa, mas com a causa de seu sofrimento.”Vinte anos depois, o movimento parece se repetir numa nova geração, com a internet no papel da TV, a automutilação no lugar dos transtornos alimentares. Estimuladas por perfis de jovens depressivas que se machucam e postam as fotos dos cortes nas redes sociais, adolescentes do mundo todo se trancam nos banheiros e repetem a cena: talham a própria pele na tentativa de aplacar uma dor sentimental.
“Para essas meninas, a automutilação funciona como um tipo de ‘automedicação’, uma forma de localizar a angústia difusa em uma parte do corpo sob a forma de dor”, afirma Dunker sobre o cutting, esse fenômeno acentuadamente feminino. “Há também um prazer estético que se obtém pelo olhar do sangue que escorre.”
Quando postam as imagens nas redes sociais, essas jovens recebem comentários carinhosos: conhecidos e desconhecidos escrevem mensagens de apoio para que encerrem a prática. Em geral, são escritas por meninas com as mesmas angústias. Assim um ciclo vicioso de dor e consolo se mantém.
A carioca Aline*, 14 anos, viu pela primeira vez uma dessas imagens em fevereiro de 2014, em um grupo de WhatsApp das amigas. Depois de um desentendimento com a própria Aline, uma das integrantes enviou uma foto do braço recém-perfurado, dizendo que havia se cortado por estar magoada.
“Nunca tinha visto aquilo. Fiquei com medo de ela se matar. À meia-noite, estava sozinha em casa e fiz igual”, lembra. Tinha tanto em comum com a amiga, que gostava de Justin Bieber e funk como ela, que sentiu um impulso incontrolável de imitá-la.
“Estava nervosa com a briga. ‘Se ela fez e a gente é igual, tenho que fazer também’, foi o que pensei. Senão ia ficar com aquilo na cabeça.” Passou, então, a buscar páginas de outras garotas com o hábito de se automutilar no YouTube, no Facebook e no Instagram e a acompanhar suas postagens, tentando entender por que faziam aquilo. “Elas diziam que era um jeito de desabafar.”
CONTINUA....
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